em 3 de julho de 1967, aos 20 anos de idade, decidida a mudar-se para nyc, patricia lee smith se destina até a estação de trem com os poucos objetos e economias que tinha juntado, para só então descobrir que o valor da passagem que ela tinha em mente há muito já se encontrava desatualizado.
surpresa com tal informação, muito embora não menos determinada a seguir seu destino, ela se dirige a uma cabine telefônica para ligar para a sua irmã e falar sobre o impasse que se impusera em seu caminho. ao olhar para baixo, no entanto, deparou-se com uma carteira perdida.
ao abri-la, verificou que não havia nenhum documento que pudesse identificar a dona, mas que continha um medalhão e trinta e dois dólares, a quantia exata que ela precisava para completar o valor da passagem.
apesar do dilema moral, patti pegou o dinheiro, deixou a carteira no guichê das passagens na esperança de que a dona pelo menos voltasse para procurar o medalhão, e seguiu seu destino. mais tarde, ela contaria essa e muitas outras histórias no livro que prometeu escrever para o seu amigo, robert mapplethorpe, dizendo que aceitou a doação da pequena carteira branca como a mão do destino lhe empurrando para a frente, e que sempre rezava para agradecer à sua benfeitora.
é quase inimaginável pensar em nyc sem a figura de patti e a sua arte que aqui se originou. a maneira como ela atribui um sentido quase divino a todos os sinais que rondam cada acontecimento de sua vida é fascinante. assim como é fascinante pensar que, por causa de trinta e dois dólares, talvez o mundo não a tivesse conhecido, e eu ainda estivesse naquele abismo em que me encontrava antes de colidir com o seu olhar poético sobre a vida.
the signs that mock me as I go
em outubro de 2023, eu estive nesse bar de inspiração germânica chamado fritz, na fulton street, no brooklyn, para conhecer um rapaz de olhos doces e cabelos loiros encaracolados como os de um anjo. a primeira impressão não se fez realidade, e a conversa morna me fez querer voltar para casa o mais rápido possível.
três semanas mais tarde eu estaria de volta a essa mesma rua. dessa vez, para conhecer a casa desse rapaz de conversa fluída que despertou certa esperança no meu coração, o tipo que talvez me fizesse esquecer daquele que o partiu meses antes. não foi o que aconteceu, mas um livro deixado comigo e a informação trazida por ele de que o meu cantor brasileiro favorito em breve estaria na cidade foram o suficiente para que eu não me arrependesse de tê-lo conhecido.
um longo e rigoroso inverno de quase cinco meses depois, e eu estava novamente nessa mesma rua, dessa vez para assistir ao meu cantor brasileiro favorito cantar algumas das canções mais bonitas do mundo, o que só foi possível por conta do rapaz que conheci meses antes.
semanas depois, sem saber, eu estaria de novo nessa mesma rua, para ver a patti numa livraria chamada greenlight em uma sessão de autógrafos do seu último livro, "a book of days" (o livro dos dias).
três anos antes, eu estava lendo just kids (apenas garotos) pela primeira vez por recomendação de uma amiga querida, sem saber que apenas alguns anos mais tarde eu estaria diante da autora, carregando o seu nome tatuado no meu braço direito, morando na mesma cidade que ela, e com uma nova compreensão sobre amor, amizade e arte que só foram possíveis depois de conhecer a história de patti e do seu melhor amigo, robert.
bahnhofstrasse (train station street/a rua da estação de trem)
the eyes that mock me sign the way
os olhos que me zombam indicam o caminho
whereto I pass at eve of day.
por onde eu passo ao cair do dia
grey way whose violet signals are
caminho cinzento, cujos sinais violeta são
the trysting and the twining star.
o encontro e a estrela entrelaçada.
ah star of evil! star of pain!
ah estrela do mal! estrela da dor!
highhearted youth comes not again
a juventude de corações nobre não volta mais
nor old heart's wisdom yet to know
nem a sabedoria do coração velho para saber
the signs that mock me as I go.
os sinais que me zombam enquanto eu sigo.
(tradução livre)
recentemente, eu li esse poema de james joyce que a patti menciona no livro just kids por inteiro pela primeira vez. essa frase destacada ficou ressoando na minha mente por semanas, assim como lembro dela também destacar que lhe ocorreu o mesmo. fiquei pensando em como a vida muitas vezes nos dá pistas dos nossos desejos sem que prestemos atenção, zombando das nossas certezas e dos labirintos sem saída que nos colocamos, até que anos mais tarde, no entanto, nos damos conta que todos os sinais estavam lá, mas foram ignorados pois talvez não tivéssemos maturidade ou sensibilidade o suficiente para percebê-los.
às vezes tudo que a gente precisa é regressar nos caminhos da vida, seja lugares ou pessoas, identificar as escolhas que fizemos sem perceber, tornar todas circunstanciais e não mais imprescindíveis, e então voltar a caminhar sendo capaz de optar por coisas diferentes, norteando outras saídas, mais ou menos no que eu diria que consiste um processo de análise.
no fim, fiquei contente de ter percebido que a pessoa que foi até a fulton street encontrar a sua artista favorita já não era a mesma que saiu para encontrar aquele moço de olhos doces e cabelos cacheados naquela noite de outubro, e que isso só foi possível pois me permiti regressar pelo caminho com um novo olhar e compreensão sobre a vida e todos os sinais que me zombam enquanto eu sigo.
gosto, ainda, de pensar que ler just kids significou para mim o que os trinta e dois dólares significaram para patti há cinquenta e sete anos. mas, diferente dela, eu conheço a minha benfeitora e já pude agradecê-la algumas vezes pelo seu olhar sensível sobre mim e por ter me apresentado a esse livro que mudou e continua mudando a minha vida ao me colocar em contato com a transcendência.
the signs that mock me as I go. <3